quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Do enterro ao mocotó da dona Dete.















Sol e chuva, sorte e azar, alegria e tristeza. Ser jornalista é viver uma rotina de situações adversas. Podemos visitar em um mesmo dia cadeias, creches e a Câmara de Vereadores. Entrevistar políticos, conhecer pessoas interessantes e outras que preferiríamos não ter visto. Vivenciamos situações cômicas, outras de risco e passamos por momentos nos quais não sabemos direito como agir.

Numa manhã ensolarada de terça-feira, temos como fato mais importante na editoria de Polícia o enterro de uma comerciante assassinada dentro do seu estabelecimento no norte da ilha de Florianópolis. Passamos na 11ª DP e vamos direto ao cemitério de Canasvieiras onde está ocorrendo o velório. Repórteres e cinegrafistas de um lado, familiares e amigos de outro formam a cerimônia.

Esta situação é sempre complicada. Até onde podemos ir? As imagens têm que obrigatoriamente chocar ou simplesmente informar? São questionamentos que fazem parte do dia-a-dia dos repórteres de imagem. Fico um tempo me ambientando até o momento ideal para fotografar. Considero uma boa oportunidade quando todos entram para rezar. O corpo está sendo velado em um ambiente com pouca iluminação, então armo o flash, me posiciono em um local discreto a fim de retratar a manifestação religiosa. Levanto a máquina e, com a objetiva aberta em 18 mm, faço dois registros. Pouco tempo após o segundo disparo do flash sinto uma mão batendo forte no meu peito e tentando puxar a câmera. Era o irmão da vítima. Me desvencilho e logo me vejo em meio a um tumulto. “Apaga essa foto”, “desculpa! Ele está nervoso”, “apaga logo essa foto ou vamos quebrar a máquina”. São as únicas frases ditas na hora. Quando tudo está mais calmo saio com a adrenalina a mil e inconformado com a violência, já que nada a justifica. Mas algum tempo depois percebo que o velório é um momento intimo dos familiares e que devemos respeitá-lo. Espero então a hora do enterro para fazer novas fotos, me colocando em uma distância considerável para fotografar em planos fechados, até o local onde o caixão será enterrado. A partir daí procuro ângulos com planos abertos, com a objetiva novamente em 18 mm, aproveitando a luz natural.

Já passam das 10h da manhã e sem tempo para continuar a ronda de policia com Colombo, o deixo na redação e já saio em seguida com outra repórter para fazer um perfil, para uma matéria relacionada a uma pessoa peculiar ou com relevante história de vida. Personagem característica e histórica do Morro do Mocotó, dona Dete, se enquadra perfeitamente neste contexto. É uma das moradoras mais antigas da comunidade, cujo nome tem origem nos marinheiros que desembarcavam próximo à ponte Hercílio Luz, subindo o morro para comer o mocotó oferecido pelos moradores. Neste caso o motivo principal da imagem não poderia ser somente a personagem dona Dete. Detalhes e retratos fechados dela poderiam ser aproveitados como complemento, sendo que a imagem principal deveria conter elementos que equilibrassem a personagem a seu ambiente. Expressões e gestos são sempre bem-vindos num retrato. E aproveito o momento da entrevista para registrá-los. Dona de um olhar expressivo, um humor descontraído e um sorriso empolgante não é preciso muito tempo para fazê-lo. Ao fim da entrevista levo Dete ao local onde ela prepara o famoso mocotó. Peço que fique junto à janela e a enquadro com a belíssima vista da Baía Sul ao fundo.

Quando estamos quase nos despedindo recebemos um generoso convite: “Querem comer um mocotó?”. Olhamos um para o outro, para o relógio, ensaiamos algumas desculpas, mas não resistimos. Depois do segundo prato vamos embora satisfeitos, não só com a matéria, mas também, claro, com o banquete.